A Bracell, uma das maiores produtoras de celulose solúvel do mundo, que anunciou recentemente sua intenção de se instalar em Bataguassu, encontra-se no centro de um intenso escrutínio legal e ambiental no Brasil. Denúncias formais, protocoladas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por entidades de produtores rurais de São Paulo e Bahia, apontam para uma possível violação da legislação que restringe a aquisição e posse de terras rurais por empresas estrangeiras. O caso ganhou relevância nacional após repercussão no portal Metrópoles.
As queixas se concentram na extensão das terras ocupadas pela Bracell. A empresa é proprietária de aproximadamente 235 mil hectares no Brasil, área que equivale a uma vez e meia o tamanho da cidade de São Paulo. Na Bahia, onde a empresa concentra grande parte de suas operações de cultivo de eucalipto, são cerca de 175 mil hectares distribuídos em 35 municípios, desde a região metropolitana de Salvador até o oeste do estado.
Um dos pontos mais sensíveis da denúncia é a alegação de que uma das subsidiárias da Bracell, a Bracell Bahia Florestal, controla quase 165 mil hectares, registrados em mais de 443 matrículas. Em Itanagra, por exemplo, a ocupação da Bracell corresponde a 13,3% do município, ultrapassando o limite legal de 10% estabelecido para a posse estrangeira. O advogado responsável pela denúncia na Bahia ressalta que a legislação também abrange terras arrendadas, e a falta de transparência sobre esses arrendamentos pode indicar uma ocupação ainda maior do que a atualmente reportada. A Lei 5.709/1971 estabelece limites claros para a posse de terras rurais por estrangeiros, exigindo autorização prévia do Incra para aquisição e arrendamento, com avaliação da viabilidade dos projetos de exploração.
No estado de São Paulo, a controvérsia não é nova. Desde setembro de 2022, a Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê (Ascana) move uma ação civil pública contra a Bracell. A entidade alega que a empresa possui quase 80 mil hectares sem a devida autorização, extrapolando o limite de 10% imposto por lei nas suas respectivas localidades, como Oriente, Álvaro de Carvalho, Presidente Alves, Vera Cruz e Fernão. A Justiça chegou a conceder uma liminar para que um levantamento das propriedades da Bracell em diferentes cartórios fosse realizado. Contudo, a discussão sobre a competência para julgar o caso – se estadual ou federal – levou a ação ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde permanece sem movimentação desde 2024.
As denúncias contra a Bracell não se limitam apenas à ocupação irregular de terras. Na região de Marília, a empresa também enfrenta queixas ambientais. Produtores acusam o uso indiscriminado de agrotóxicos e situações de contaminação da água devido ao avanço das plantações de eucalipto.
Enquanto enfrenta controvérsias em outros estados, a Bracell se prepara para um novo e colossal empreendimento em Bataguassu, Mato Grosso do Sul. A cidade, com cerca de 24 mil habitantes, é o mais novo epicentro do desenvolvimento da empresa, que oficializou em maio deste ano a intenção de instalar uma das mais modernas fábricas de celulose do mundo. O investimento previsto é de R$ 16 bilhões, com a promessa de gerar 12 mil empregos no pico da construção e outros 2 mil postos de trabalho permanentes.
Nessa região, a Bracell utiliza a empresa MS Florestal, com sede em Campo Grande. Essa atuação por meio de subsidiárias ou empresas parceiras para o cultivo de eucalipto é a mesma estratégia empregada pela Bracell em outros estados.
Em nota enviada ao Metrópoles, a Bracell contestou as informações presentes nas notícias de fato, afirmando que "atua em conformidade com todas as normas legais vigentes e respeita rigorosamente a legislação brasileira". A empresa acrescentou que a "carta-denúncia (enviada ao Incra) distorce a realidade sobre a propriedade de terras da companhia na Bahia."
A Bracell esclareceu que as duas companhias mencionadas no documento – a Turvinho e a Estrela – são controladas pelo Sr. Alexandre Grendene, sendo a Bracell apenas acionista minoritária em ambas. Em nota separada, também enviada ao Metrópoles, a Turvinho reforçou que é uma "empresa nacional com 51% do controle de capital por brasileiros e que é uma subsidiária integral da holding Estrela, também controlada por acionistas brasileiros". A Turvinho defendeu que suas operações são "absolutamente aderentes às restrições legais, inclusive do parecer da Advocacia Geral da União (AGU) de 2010 que limitou a aquisição de terras por estrangeiros". A empresa concluiu que "não há qualquer impedimento de que uma empresa com controle de brasileiros atue na compra e arrendamento de terras rurais", e que seu foco é a disponibilização de áreas para reflorestamento e fornecimento de madeira para a indústria de papel e celulose.
A Lei 5.709/1971, que regula a posse de terras rurais por pessoas físicas ou jurídicas do exterior, aplica-se a empresas com sede fora do Brasil, mas com autorização para funcionar no país, ou a sociedades brasileiras cuja maior parte do capital social pertença a estrangeiros. A legislação define diferentes limites para essas propriedades. Um desses modelos é o quantitativo, que estabelece que estrangeiros não podem deter uma área superior a 25% do território de um município. Esse percentual cai para 10% para pessoas físicas ou empresas de uma mesma nacionalidade. Uma regulamentação da lei, feita nos anos 1990, prevê que aquisições que ultrapassem esses limites sejam submetidas à aprovação do Incra e do Congresso Nacional.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por sua vez, confirmou que está investigando as denúncias, tanto na Bahia quanto em São Paulo, e notificou a Bracell para apresentar a documentação relativa às suas propriedades e arrendamentos. O Incra informou que, sobre a denúncia de São Paulo, foi aberto um "procedimento de fiscalização cadastral para verificar se a empresa é considerada estrangeira ou não". Após a análise da documentação, o processo será encaminhado à Procuradoria Federal Especializada para eventuais ações jurídicas. A respeito do caso na Bahia, o Incra nacional aguarda uma posição da Superintendência Regional no estado.
Um caso recente que ilustra a importância dessa legislação foi a disputa pela Eldorado Celulose entre a J&F e a Paper Excellence, de origem indonésia. A Paper Excellence foi questionada por não ter apresentado a aprovação do Incra e do Congresso para a aquisição de terras no Brasil, o que ressalta a necessidade de transparência e cumprimento da lei fundiária.
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