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Morte de homem leva PF a investigar Testemunhas de Jeová em Bataguassu por violência psicológica e exploração

Ele cometeu suicídio em dezembro de 2023. A família alega que o ato foi o desfecho de anos de exploração, trabalho análogo à escravidão e violência psicológica

05/06/2025 às 10h07 Atualizada em 08/06/2025 às 11h48
Por: Diego Oliveira Fonte: Redação Cenário MS
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Sede das Testemunhas de Jeová em Bataguassu - Foto: Elenize Oliveira/Cenário MS
Sede das Testemunhas de Jeová em Bataguassu - Foto: Elenize Oliveira/Cenário MS

O Ministério Público Federal (MPF) reabriu uma investigação contra a organização religiosa Testemunhas de Jeová, impulsionado por graves denúncias originadas em Bataguassu. O epicentro da apuração é o trágico caso de Paulo Amaro Freire, de 53 anos, morador da cidade, que sofria de esquizofrenia e era judicialmente tutelado. Ele cometeu suicídio em dezembro de 2023, e sua família alega que o ato extremo foi o desfecho de anos de exploração, trabalho análogo à escravidão e violência psicológica perpetrados por membros da congregação local.

Em despacho assinado em 23 de maio, o MPF foi categórico ao afirmar que, referente ao caso de Paulo Freire, "a narrativa apresenta detalhes que exigem investigação mais aprofundada". A documentação fornecida pela família de Bataguassu – contendo uma declaração pública, exames médicos, registros de denúncias anteriores e a certidão de óbito – foi considerada pelo órgão como indicativa de uma "possível violação generalizada de direitos fundamentais" ocorrida na cidade.

O procurador da República responsável pelo caso, ao analisar os fatos de Bataguassu, escreveu que "há relatos sérios sobre o aproveitamento de indivíduos em condição de vulnerabilidade, sob a justificativa de serviço religioso, o que pode mascarar práticas criminosas". Diante da gravidade do exposto pela família Freire, os autos foram remetidos à Polícia Federal (PF), que agora tem a responsabilidade de conduzir a investigação criminal a partir dos eventos ocorridos no município sul-mato-grossense.

O drama de Paulo Freire

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A família de Paulo Amaro Freire detalhou em documento registrado em cartório o sofrimento do familiar. Alegam que membros da igreja Testemunhas de Jeová de Bataguassu, o retiravam de casa frequentemente, desrespeitando a autorização de sua irmã e tutora legal, para submetê-lo a trabalhos braçais em propriedades rurais e oficinas mecânicas vinculadas à congregação na região. "Transformaram meu irmão em um trapo humano. Quando voltou da fazenda, ele havia perdido 13 quilos e mal conseguia falar. Só comia pão, mesmo trabalhando o dia inteiro no sol", desabafou a irmã de Paulo.

Diagnosticado com esquizofrenia aos 18 anos e considerado inimputável, Paulo, segundo os familiares, era coagido a jornadas exaustivas, tanto físicas quanto emocionais, sofrendo intensa pressão doutrinária e sendo progressivamente isolado da vida social e familiar em Bataguassu. "Ele deixou de participar de tudo. Jogou fora as imagens da família, não queria mais saber de aniversários, parou de votar. Obedecia cegamente os anciãos [líderes religiosos locais], que exploravam sua fé e a fragilidade da sua mente", relatou a tutora.

As tentativas da família de impedir que Paulo fosse explorado em Bataguassu teriam sido sistematicamente ignoradas pelos líderes religiosos locais. "Dissemos pessoalmente ao ancião que ele não podia trabalhar. Mesmo assim, o convocavam de madrugada, sob sol ou frio, para cavar buraco, mexer com solda, subir em andaime. Isso agravou o quadro mental dele até o ponto do suicídio", acusa a família no documento.

Um episódio particularmente suspeito, ocorrido no dia do suicídio de Paulo em Bataguassu, envolve a visita de um líder da instituição local e sua esposa. Eles teriam conversado reservadamente com Paulo no portão, recebido volumes dele e se retirado apressadamente ao perceberem a aproximação da tutora.

Ademais, após o falecimento de Paulo, a família encontrou em seus pertences em Bataguassu um documento intitulado "Diretivas Antecipadas e Procuração para Tratamento de Saúde". Registrado em cartório, o documento nomeava um ancião da congregação local, como procurador para recusar transfusões de sangue em nome de Paulo. A família afirma que tal procuração foi feita sem o consentimento da curadora e sem o conhecimento dos parentes, mesmo cientes da condição de vulnerabilidade de Paulo.

Originalmente católico, Paulo teria se convertido às Testemunhas de Jeová em Bataguassu durante um relacionamento. A partir de então, seu comportamento mudou drasticamente, afastando-se dos familiares e dedicando-se a atividades para a congregação, que, segundo a família, incluíam trabalhos pesados com remuneração e alimentação inadequadas.

A certidão de óbito de Paulo Freire confirma que ele faleceu em sua casa em Bataguassu, em 19 de dezembro de 2023, devido a "traumatismo do coração por suicídio com faca".

Posicionamento das Testemunhas de Jeová sobre o caso de Bataguassu

Denner Antunes, identificado como porta-voz regional das Testemunhas de Jeová em Mato Grosso do Sul, expressou solidariedade à família Freire e afirmou que a liderança do grupo religioso ficou "triste" com a morte de Paulo em Bataguassu. Ele assegurou que a organização acompanhará a investigação da Polícia Federal referente aos acontecimentos locais.

No entanto, Antunes contestou a alegação da família de que Paulo teria sido "desassociado" (expulso) da religião antes de sua morte, sustentando que isso não ocorreu, embora a família afirme ter encontrado documentos no quarto de Paulo em Bataguassu que indicariam o contrário.

Investigação Federal 

O MPF, ao analisar a denúncia vinda de Bataguassu, destacou que "a documentação apresentada contém narrativa circunstanciada, que indica possível prática de ilícitos penais e civis por membros da organização religiosa, inclusive em face de pessoa com deficiência psiquiátrica diagnosticada". A promotoria enfatiza que, embora possa haver outras denúncias, a reabertura da investigação foi motivada especificamente pela gravidade e detalhamento do caso de Paulo Freire.

"A suposta estrutura de dominação descrita [no caso de Bataguassu] transcende o âmbito interno de crença religiosa e entra na esfera do Direito Penal e dos direitos fundamentais da pessoa humana", ressalta o texto do MPF, sublinhando a seriedade das acusações.

A Polícia Federal, atuando a partir do impulso gerado pelo caso de Bataguassu, foi instruída a colher depoimentos, reunir provas documentais, convocar os envolvidos na cidade e investigar a possível ocorrência dos crimes de trabalho análogo à escravidão, maus-tratos, cárcere privado, instigação ao suicídio e violação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, todos relacionados aos fatos narrados pela família Freire.(Com informações Midiamax e Campo Grande News)

Ouça análise em áudio do caso: 

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